(Humberto de Campos in psychography by Chico Xavier. Originally published in the book Contos e Apólogos, not yet available in English)
It is said that once there were some apostles of goodness who had grown so much in virtue that, because of the extreme sublimation of their souls, they were able to reach the threshold of the Resplendent Shrine of Christ.
They would return to the world, to carry on the work of love that they occupied themselves with, however, summoned by angelic powers, they could happily tour the neighbourhood of the Divine Home. Blessed by glory and goodness, they were part of a temporary assembly of beauty and wisdom in Heaven.
Western missionaries bore impressive dalmatics, reminding the religious institutions they had belonged to, while Eastern saints wore iris-colour tunics. Revered priests of the Catholic and Protestant churches mingled with Jewish and Buddhists leaders. Brave followers of Confucius and distinguished devotees of Mohammed could understand each other.
Higher above human interpretations, that so often lead to discordance, they finally reached the supreme union in the realm of principles.
Each of them was adorned by the symbolic message of the temples they had represented. Rings, crosses, crosiers, halos, necklaces, medals and other insignia stood out from precious linen and glitter, silk and gold, glinting in the bathing sun.
However, one of them clashed with the brilliant ensemble. It was an old servant from the desert who had not affiliated himself to any church. Ibrahim Al-Mandeb had just been a devoted brother of the unfortunate who roamed the sandy plains of Arabia.
He had no signs that would commend him for respect and consideration. He was bare foot, wounded and dusty. His rotten garments displayed the bloody stains of the injured children who had nestled against his chest. The thin, shaggy hands that looked as if lined by camel leather, were calloused through the rough work of assisting lost travellers.
His grey and filthy hair would display the signs of long pilgrimages in the storm, and his wrinkled, wiry face was a heavy frame for two beautiful and lucid eyes, albeit sunken and sad, that kept gruesome visions of the pain of those he had selflessly and attentively helped.
Isolated in the party, the old man noticed that two angels were examining the assembly, making notes on a heavenly scroll. After reviewing all the bystanders, one by one, they drew near him, surprised by his unpleasant presence.
– Friend, – one of the emissaries asked – to which church did you belong to when on Earth?
– May I know why you ask? – The stranger inquired, humbly.
– The Lord wants to talk with one of the visitors of the Divine Home, and we are ranking the names of those who most deeply loved him in the world.
– Don’t worry about me then! – the anonymous Bedouin cried. – I could never devote myself to the worship of the Lord and to be honest I know not why I have been hoisted up here when I can not take a place among those elect of faith.
– What have you done for humankind?
– May the Lord forgive me for my ingratitude and harshness – the old man sighed – but the suffering of my brothers gave me no chance to think about him. I could never reflect on the sublimity of Paradise, because the desert was full of sorrow and tears! …
On seeing the strange pilgrim burst into tears, the angel who had remained silent opined, sympathetic:
– It is true, we can not place you in the list of those who loved the Eternal Benefactor, but we will put your name down on the parchment as someone who loved immensely humankind.
Dipping his head in his bony hands, the elder sobbed grateful, while the companions present commented on the strange procedure of that person who had done good without even remembering the existence of God.
However, after a long wait full of expectation, a vast group of the divine messengers entered the flower-decorated lobby, among songs of joy, carrying a large banner with a name spelled out in letters of light.
It was the name of old Ibrahim al-Mandeb. The Lord wanted to talk to him.
A ESCOLHA DO SENHOR
(Do livro Contos e Apólogos, de Humberto de Campos em psicografia de Chico Xavier)
Conta-se que alguns apóstolos do bem tanto se ergueram na virtude que, pela extrema, sublimação de suas almas, conseguiram atingir o limiar do Santuário Resplendente do Cristo.
Voltariam ao mundo, no prosseguimento da obra de amor em que se entrosavam, no entanto, convocados pelos poderes angélicos, poderiam excursionar felizes pelas vizinhanças do Lar Divino.
Bem-aventurados pela glória e pela bondade, constituíam provisoriamente no Céu toda uma assembléia de beleza e sabedoria.
Missionários ocidentais ostentavam dalmáticas imponentes, lembrando as instituições religiosas a que haviam pertencido, enquanto que os santos do Oriente exibiam túnicas liriais. Veneráveis sacerdotes das igrejas católicas e protestantes confundiam-se com patriarcas judeus e budistas. Admiráveis seguidores de Confúcio e insignes devotos de Maomé entendiam-se uns com os outros.
Muito acima das interpretações humanas, tendentes à discórdia, alcançavam, enfim, a suprema união na esfera dos princípios.
Exornava-se cada um com a mensagem simbólica dos templos que haviam representado. Anéis, cruzes, báculos, auréolas, colares, medalhas e outras insígnias preciosas destacavam-se do linho e da púrpura, da seda e do ouro, faiscando ao sol em que se banhavam.
Entretanto, um deles destoava do brilhante conjunto. Era um antigo servidor do deserto que não se filiara a igreja alguma. Ibraim Al-Mandeb fora apenas devotado irmão dos infelizes que vagueavam nas planícies arenosas da Arábia.
Não possuía qualquer sinal que o recomendasse ao respeito e à consideração. Trazia os pés descalços, em chaga e pó. Na veste rota, mostrava as manchas sanguinolentas das crianças feridas que havia conchegado de encontro ao peito. As mãos magras e hirsutas pareciam forradas em couro de camelo, tão calejadas se achavam no rude trabalho de assistência aos viajantes perdidos. Os cabelos grisalhos e imundos falavam de longas peregrinações sob a
tempestade, e o rosto enrugado e rijo era a pesada moldura de dois olhos belos e lúcidos, mas encovados e tristes, guardando pavorosas visões das dores alheias que ele havia socorrido, abnegado e atento.
Isolado no festim, o ancião notou que dois anjos examinavam a assembléia, fazendo anotações num pergaminho celestial.
Depois de analisarem todos os circunstantes, um por um, abeiraram-se dele, estranhando-lhe a desagradável presença.
Amigo – interrogou um dos emissários -, a que igreja pertenceste na Terra?
– Para que a pergunta? – inquiriu o forasteiro com humildade.
– O Senhor deseja entender-se com um dos visitantes do Lar Divino e estamos relacionando, por ordem, os nomes daqueles que mais profundamente o amaram no mundo.
– Não se preocupem então comigo! – clamou o anônimo beduíno. – Nunca pude consagrar-me ao culto do Senhor e sinceramente ignoro por que razão fui guindado até aqui, quando não posso ter lugar entre os eleitos da fé.
– Que fizeste entre os homens?
– Que o Senhor me perdoe à ingratidão e a dureza – suspirou o velhinho -, mas o sofrimento de meus irmãos não me deu oportunidade de pensar nele. . . Nunca pude refletir na sublimidade do Paraíso, porque o deserto estava cheio de aflição e lágrimas!…
Vendo que o estranho peregrino prorrompera em pranto, o anjo que se mantivera silencioso opinou, compreensivo:
– Em verdade, não podemos situar-te na relação dos que amaram o Benfeitor Eterno, mas colocaremos teu nome no pergaminho, como alguém que amou imensamente os semelhantes.
O ancião, mergulhando a cabeça nas mãos ossudas, soluçou reconhecido, enquanto os companheiros presentes comentavam o estranho procedimento daquele que fizera bem sem se lembrar sequer da existência de Deus.
Contudo, depois de longos minutos de expectação, vasto grupo de mensageiros divinos penetrou o átrio engalanado de flores, em cânticos de júbilo, trazendo larga faixa com um nome grafado em caracteres de luz.
Era o nome do velho Ibraim Al-Mandeb. Pretendia o Senhor conversar com ele.